segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

MANIFESTAÇÃO DE REPÚDIO DO FÓRUM GAÚGO DE SAÚDE MENTAL AS AMEAÇAS DE RETROCESSOS NA POLÍTICA PÚBLICA DE SAÚDE MENTAL BRASILEIRA

Rio Grande do Sul, 05 de dezembro de 2020.

 Nós do Fórum Gaúcho de Saúde Mental, viemos manifestar nosso repúdio à proposta da “Nova Política de Saúde Mental”, apresentada pela Associação Brasileira de Psiquiatria/ABP, com o consentimento do Ministério da Saúde, através da SGTES. A “Nova Política” proposta pela ABP tem o objetivo de fragilizar, sucatear até acabar com os serviços de saúde que compõe a Rede de Atenção Psicossocial/RAPS, o Cuidado em Liberdade e a Reforma Psiquiátrica Brasileira, prevista na Lei Nº 10216/2001.

 A Rede de Atenção Psicossocial/RAPS tem como objetivo a ampliação do acesso e a qualificação da rede de atenção integral à saúde mental, ações intersetoriais para reinserção social e reabilitação e ações de prevenção e de redução de danos.

A Rede Substitutiva que defendemos é constituída por diferentes serviços de saúde de base territorial, que visam o direito de acesso ao SUS, no território em que as pessoas vivem, sem encarceramentos. Os Serviços que fazem parte desta RAPS são: Centro de Atenção Psicossocial/CAPS nas modalidades I, II, Álcool e outras Drogas, Álcool e outras Drogas 24h (III), Infantil, Unidade de Acolhimento Transitório, Serviço Residencial Terapêutico, Leitos de Atenção Integral em Saúde Mental em Hospital Geral, Consultório na Rua, Iniciativas de Geração de Renda. Estes serviços funcionam de forma articulada com a Atenção Primária em Saúde e com a Rede de Atenção Intersetorial dos municípios e todos contam com equipe Multidisciplinar realizando o cuidado em conjunto e não centrado na “autoridade” de apenas um profissional, construindo com o usuário um Projeto Terapêutico Singular que contemple suas necessidades e estimulem o seu protagonismo.

O maior objetivo da Política de Saúde Mental vigente no Brasil, pela qual o FGSM luta há anos e segue defendendo, é o Cuidado em Liberdade, digno, através da inserção ou reinserção das pessoas em sofrimento na sociedade, com vistas ao protagonismo de usuárias e usuários, demonstrados em nosso estado pelas inegáveis conquistas de direitos e autorias de usuários e familiares, expressas pelas cooperativas, associações, programas de rádio, grupos de ajuda mútua (como Ouvidores de Vozes e Grupos de Gestão Autônoma da Medicação – Guia GAM), além de eventos de alcance Nacional feitos pelas pessoas que usam o SUS, junto a profissionais de saúde, gestores e entidades, como o Mental Tchê em São Lourenço do Sul, a Parada Gaúcha do Orgulho Louco em Alegrete e o Canoas Loka de Boa.

O que a ABP e o Ministério da Saúde vêm propor neste momento é uma Política Pública em Saúde Mental higienista, que busca a clausura de quem sofre, com base no cuidado médico – centrado, um modelo superado pela Reforma Psiquiátrica/RP Brasileira, que passou a utilizar a clínica ampliada, o trabalho multiprofissional e interdisciplinar, para garantir o cuidado em todas as áreas da vida que as pessoas necessitem. A RP Brasileira vem avançando há anos e só não avançou mais por interferências como essas de órgãos de classe e governos negacionistas e fascistas que veem a Saúde Mental como Mercadoria, como oportunidade de ampliarem seu capital e não como uma estratégia de cuidado que promova autonomia e cidadania, e com essa concepção vem oferecendo riscos a Política Pública vigente, construída de forma democrática e baseada em evidências científicas. Com isso, a ABP e o MS propõe a inversão de financiamento ao modelo de atenção à Saúde Mental, retirando recursos dos serviços da Rede Substitutiva, “diminuindo” sua importância e capacidade de atenção, sem base em dado científico algum, para colocarem estes recursos principalmente em Hospitais Psiquiátricos, Hospícios, Manicômios, que significam o mesmo local, que privam as pessoas de Liberdade e que conforme mostram os relatos documentados em inspeções feitas em Hospitais Psiquiátricos Brasileiros de 17 estados, em cinco regiões do Brasil em 2018/2019, não são uma opção de cuidado, diante das graves violações dos Direitos Humanos encontradas e, também pretendem investir em Ambulatórios de Saúde Mental que comprovadamente não são uma solução para o cuidado longitudinal que a Saúde Mental exige, gerando filas para atendimento, cuidado centrado na medicação e nenhuma articulação com os serviços disponíveis no território.

Na inspeção aos Hospícios feitas em 2018/2019 constatou-se que 62% dos hospitais psiquiátricos vistoriados são privados, 52% deles foram inaugurados durante o regime militar, 40% deles realizam internação de crianças e adolescentes, sendo a maioria internada pelo uso abusivo de álcool e outras drogas, 52% não possuem ou não apresentaram alvará ou licença sanitária vigente, 82% desses estabelecimentos mantêm pessoas internadas em situação de longa permanência (período superior a um ano de forma ininterrupta). Também foi constatado que em 1 a cada 3 hospitais inspecionados não há ou falta papel higiênico, que 77% dos hospitais praticam a contenção mecânica corriqueiramente, 60% deles têm acesso restrito a água potável e/ou falta de manutenção e testes sobre a qualidade da água, 27% não possuem camas para todas as pessoas internadas, 77% violam o livre acesso dos usuários ao contato e/ou comunicação com seus familiares, 60% deles violam o direito de acesso a vestimentas adequadas e individualizadas no cotidiano hospitalar, apenas 27,5% dos hospitais vistoriados alegaram disponibilizar roupas intimas aos usuários, grande parte delas de uso compartilhado. Entre os relatos coletados na inspeção aos Hospícios estão a presença de um quarto de castigo em que as pessoas internadas eram enforcadas, amarradas e sofriam agressões realizadas por profissionais de saúde, além disso, há a evidência do forte odor de esgoto e fezes humanas em volta das enfermarias, também estupro, barganha do fim de agressões por comida, comida  ruim e com a impossibilidade de repetição a alimentação. Fonte – Hospitais Psiquiátricos no Brasil: Relatório de Inspeção Nacional (2018/2019) sistematização dos dados Desinstitute.

Estas informações, para o FGSM não são novidades, denunciamos e combatemos há anos tais atitudes, e queremos deixar claro que somos veementemente contra a instituição dessa “Nova Política de Saúde Mental” proposta pela ABP, porque este órgão não representa a totalidade da Sociedade Brasileira e exigimos uma ampla discussão da sociedade sobre o assunto. Com isso solicitamos às pessoas usuárias dos serviços de Saúde Mental e seus familiares, à comunidade em geral, aos profissionais de saúde, aos órgão de discussão e controle social desta pauta, CMS, CES e CNS, e aos gestores do Estado do Rio Grande do Sul e do Brasil, representados através do COSEMS/RS, CONASEMS e CONASS, que se manifestem contrários a este retrocesso, pois o Rio Grande do Sul tem sua Lei própria da Reforma Psiquiátrica desde 1992 ( Lei Nº 9716), antes mesmo da Lei Brasileira, o que demonstra que é um Estado de contribuição histórica pelo Cuidado em Liberdade e tem o compromisso ético de se posicionar diante de uma ameaça tão grande às conquistas do Povo Brasileiro.

Lutaremos, por uma sociedade sem Manicômios!

FÓRUM GAÚCHO DE SAÚDE MENTAL/FGSM

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