Os brasileiros estão sentindo um peso extra no bolso neste ano.
Apesar de não ser uma realidade exclusiva brasileira — dado que as principais economias do mundo sofrem os efeitos da pandemia nos preços — aqui o cenário é agravado pelo câmbio desvalorizado e pela insegurança fiscal.
Essas particularidades fazem com que o Brasil fique em terceiro lugar entre as maiores inflações do mundo.
A sensação não atinge só os mais pobres, que sofrem mais os efeitos da disparada dos preços no dia a dia. Toda a cadeia produtiva sentiu o baque da inflação, seja no preço da gasolina, no supermercado, na conta de luz ou na compra de insumos.
Antes mais concentrado na alta dos preços dos alimentos, esse efeito ocorre de forma generalizada na economia.
Os principais responsáveis são energia elétrica – que chegou a ganhar uma tarifa extra nova por conta da crise hídrica — – e os combustíveis. Só a energia elétrica já acumula alta de 25% no ano. A gasolina, mais de 70%.
O custo da energia elétrica e do combustível afeta toda a cadeia produtiva, atingindo diretamente o consumidor final.
Um cabeleireiro, por exemplo, pode aumentar o preço de um corte para compensar a conta de luz mais cara. Já o combustível valorizado impacta, por exemplo, todo o setor de logística de alimentos.
Brasil x mundo
Ao comparar a inflação nas principais economias do mundo, o Brasil fica atrás da Argentina, que vive uma das piores crises inflacionárias de sua história, e da Turquia, um dos países que mais sofreram com o câmbio durante a pandemia.
“O choque de oferta causado pela pandemia de Covid-19 atingiu o mundo inteiro, mas o Brasil ainda teve a forte desvalorização da sua moeda, um componente a mais para que a inflação acelerasse”, explica Roberto Dumas, professor de economia do Insper.
Segundo o professor, o cenário não é dos mais animadores. “Em um contexto de aumento do risco fiscal, os investidores tendem a retirar seu capital do país e o dólar deve subir ainda mais ante o real”, diz.
André Braz, economista da FGV IBRE, avalia que a desvalorização do câmbio não é resultado somente das incertezas fiscais intensificadas pela falta de clareza com o orçamento do ano que vem. O cenário vem sendo desenhado desde 2020, com as primeiras políticas sanitárias de combate ao coronavírus.
“O governo federal adotou uma postura com o surgimento da Covid, como a recomendação do uso de cloroquina, de não estimular o uso de máscaras e do distanciamento social, o que gera uma incerteza doméstica muito grande”, afirma Braz.
“Esse discurso segue até hoje e difere dos que os governadores e prefeitos têm feito, o que contribui para a manutenção deste cenário de dúvidas”, acrescenta o economista.
Juros
Na tentativa de frear a disparada dos preços, o Banco Central vem elevando a Selic num ciclo contínuo de aperto monetário que começou no ano passado, quando a taxa básica havia atingido sua mínima histórica de 2% ao ano. Agora, o mercado já vê a Selic chegando nos dois dígitos em 2022.
Aumentar a taxa básica de juros é a principal ferramenta da autoridade monetária para controlar os preços. Essa estratégia, porém, funciona melhor numa economia aquecida, na qual o encarecimento do crédito deixa os consumidores mais contidos.
O cenário atual de preços pressionados, porém, vem menos da atividade aquecida e mais de fatores que não podem ser facilmente controlados artificialmente. Em outras palavras: ninguém vai optar por deixar de consumir energia elétrica só porque está mais caro. A lógica é a mesma para alimentação.
Desta forma, o poder de bala do BC é menos eficiente. Além disso, alerta Roberto Dumas, a política monetária demora em média entre 6 a 7 meses para surtir efeito, então, o tempo é fundamental para que os juros sensibilizem a inflação.
PIB
O remédio usado pelo BC para controlar os preços tem um efeito colateral incômodo na atividade. Mas, vale dizer, que a acelerada descontrolada nos preços seria bem pior.
“O problema dos juros é que eles levam a um baixo crescimento econômico. A economia encolhendo não vai gerar emprego nem renda, mais um problema para 2022”, diz Braz.
Não é por acaso que o combo inflação com Selic mais alta leva a uma chuva de revisões de expectativa para a economia do ano que vem. Uma das mair recentes foi a do Goldman Sachs, que rebaixou sua projeção para o crescimento do PIB do Brasil em 2022 de 1,5% para 0,8%. Em relatório, o banco alertou para cenário de inflação aquecida, condições monetárias mais apertadas e crescentes riscos político-fiscais domésticos.
Os setores produtivos também vão se movimentando para digerir as mudanças.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) divulgou no início do mês que a alta do preço da energia reduz o PIB em 0,11% em 2021 e 0,19% em 2022. Além disso, um índice do Bank of America para a atividade econômica brasileira apresentou queda pelo sexto mês consecutivo em outubro.
Meta para 2022
Em entrevista à CNN, o professor de economia da USP Simão Silber afirmou que a meta de inflação que o Banco Central estipulou como ideal para o país só deve ser alcançada em 2023.
“Vamos terminar o ano que vem com o índice do custo de vida ainda de 5,5%”, avalia Silber.
A meta estipulada do BC de 3,5% de inflação para o ano que vem fica mais distante à medida os novos índices divulgam o aumento dos preços. No entanto, economistas entendem que aumentar a Selic é uma sinalização de que a entidade ainda não “jogou a toalha” e pretende seguir com a meta.
“Achamos que é possível fazer nosso trabalho com o ritmo que estamos levando agora, a não ser que outro choque apareça. Nosso alvo é 2022 e faremos de tudo para levar a inflação à meta“, afirmou o presidente do BC, Roberto Campos Neto, em outubro.
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