É cada vez maior a probabilidade de o fenômeno La Niña retornar nesta primavera e a MetSul antecipa que o fenômeno mais uma vez deve afetar a produtividade do milho, especialmente no Sul do Brasil, em consequência de períodos mais prolongados com déficit hídrico.
Modelos de clima, em geral, mantêm o indicativo de resfriamento das águas superficiais do Pacífico Equatorial até o começo do próximo ano com alta probabilidade de o fenômeno se instalar agora durante a primavera, o que afetaria o clima no Brasil e no restante do mundo no final deste ano e ao menos nos primeiros meses de 2022.
O episódio de La Niña de 2019/202 chegou ao fim em abril deste ano e hoje o Pacífico está oficialmente em uma condição ainda de neutralidade, mas cada vez mais próximo de se instalar um evento de La Niña.
O último boletim da Administração de Oceanos e Atmosfera (NOAA), dos Estados Unidos, indicou anomalia de temperatura da superfície do mar no Pacífico Central (região Niño 3.4) de -0,9ºC e no Pacífico Leste (região Niño 1+2) de -0,1ºC.
A anomalia da região Niño 3.4, usada oficialmente para a designação de El Niño e La Niña, hoje já tem anomalia de temperatura da superfície do mar no patamar limite de La Niña fraca a moderada, mas são necessárias várias semanas seguidas de anomalias negativas abaixo de -0,5ºC e o acoplamento das condições atmosféricas com as oceânicas para que seja declarado um evento do fenômeno.
Quando o Pacífico encontra-se em neutralidade, como hoje, a contrario sensu, a condição do clima não é de normalidade. Neutralidade não é sinônimo de normalidade em se tratando dos efeitos do Oceano Pacífico no clima tanto regional como global. Secas e inundações como ondas de calor e frio ocorrem em diferentes partes do mundo.
LA NIÑA É QUASE UM CONSENSO ENTRE OS PRINCIPAIS MODELOS
A maior parte da mais de uma dezena de modelos de clima analisados periodicamente pela MetSul segue apontando um resfriamento do Pacífico Equatorial nos próximos meses com a provável configuração de um nova fase fria no oceano. O resfriamento se daria com maior força no último trimestre do ano.
O último levantamento de probabilidade divulgado pela Universidade de Columbia em parceria com a NOAA, a agência climática norte-americana, sinalizou justamente para o trimestre de primavera (outono no Hemisfério Norte) a maior chance de que retornem as condições de La Niña.
Nesse sentido, o levantamento com base em modelos climáticos indicou um aumento da probabilidade de La Niña. A última análise indicou para o trimestre de setembro a novembro 62% de probabilidade de La Niña e 37% de neutralidade. Para o trimestre outubro a dezembro, 67% de chance de La Niña e 32% de neutralidade. Já para o período de novembro a janeiro, 69% de La Niña e 29% para neutralidade.
E para o trimestre de verão dezembro de 2021 a fevereiro de 2022, 64% de probabilidade de La Niña e 33% de neutralidade. Finalmente, para o trimestre de janeiro a março de 2022 os indicativos mais recentes são de 55% de La Niña e 41% de neutralidade. As probabilidades de El Niño deixam de ser citadas porque irrisórias.
O Climate Prediction Center da NOAA, a agência climática do governo norte-americano, emitiu um La Niña Watch para o trimestre de setembro a novembro, o que sinaliza a possibilidade de retorno do fenômeno no período. A agência se fundamenta nas projeções de modelos de clima que para o trimestre apontam um resfriamento maior das águas superficiais do Oceano Pacífico Equatorial.
Desde o começo do ano já se esboçava um cenário de possibilidade de retorno da fase fria neste ano. Modelos de clima de mais longo prazo ainda no verão apontavam condição de resfriamento do Pacífico no segundo semestre que poderia levar a uma nova fase fria. Em 13 de março deste ano, a MetSul publicou análise indicando a possibilidade de La Niña no começo de 2022.
Se retornar, como indicam as projeções, seria mais um verão (inverno no Hemisfério Norte) com o fenômeno, o segundo seguido, no que os meteorologistas dos Estados Unidos denominam de “double dip”. A MetSul recorda que houve na virada do século um período mais prolongado que oscilou entre neutralidade e La Niña com um “double dip” no período de 1998 a 2001, e que ficou marcado por eventos extremos de frio e neve nos anos de 1999 e 2000.
O QUE É A LA NIÑA E SEUS EFEITOS
O fenômeno se caracteriza pelo resfriamento das águas superficiais da faixa equatorial do Oceano Pacífico com a alteração do regime de vento na região que impacta o padrão de circulação geral da atmosfera em escala global, inclusive no Brasil.
Quando há um evento de La Niña há uma tendência de a Terra esfriar ou na fase atual de apresentar aquecimento menor que haveria estivesse sob El Niño.
Hoje, o Pacífico encontra-se oficialmente em uma fase neutra. Por isso, mesmo com o Pacífico em neutralidade, ocorrem extremos tanto comuns em El Niño como La Niña.
O Centro-Sul do Brasil e o Oeste dos Estados Unidos, por exemplo, seguem sob condição de seca – em alguns locais excepcional – a despeito do Pacífico estar neutro. O regime de chuva, assim, está longe da normalidade.
No caso do Rio Grande do Sul, há estudos mostrando efeitos em produtividade agrícola com décadas de dados sob neutralidade ao redor de um terço para produção acima da média, um terço dentro da média e um terço abaixo da média ao passo que sob El Niño a tendência maior é aumento de produtividade e com La Niña perdas na produção.
Há uma propensão a se fazer uma correlação entre El Niño e mais chuva no Sul do Brasil e La Niña maior risco de estiagem, mas esta é uma fórmula distante de correta e existem muitas ressalvas a serem feitas do ponto de vista histórico. Nenhum evento de La Niña é igual ao outro.
Apesar da grande maioria das estiagens no Sul do país terem ocorrido sob neutralidade ou La Niña, a maior seca do Rio Grande do Sul neste século, em 2005, se deu com o Pacífico Equatorial oficialmente numa condição de El Niño. Da mesma forma já houve muitos meses bastante chuvosos e até enchentes durante episódios de La Niña.
No caso do último verão, por exemplo, a MetSul enfatizava que o evento de La Niña poderia trazer estiagem, como ocorreu com perdas no milho no começo da estação, mas a mesma previsão indicava que janeiro poderia ser mais chuvoso do que a média, o que beneficiaria o ciclo de soja.
Até porque, sob La Niña, a média dos dados das últimas décadas mostra uma maior propensão para chuva acima da média do que abaixo da média durante o mês de janeiro em grande parte do Rio Grande do Sul.
Assim, La Niña nem sempre é certeza de estiagem no Sul do Brasil nem tampouco de chuva acima da média mais ao Norte e o Nordeste do Brasil.
O que o fenômeno faz sim é aumentar a probabilidade de ocorrência destes cenários nas diferentes regiões do país. Por isso, se instalando um evento na primavera, aumenta muito o risco de estiagem no Sul do país no próximo verão.
Por fim, da mesma forma que não se pode fazer associação linear entre La Niña e seca ou El Niño e enchentes, a intensidade do fenômeno também não é o melhor parâmetro. Os dados históricos revelam que já houve casos de estiagens mais graves em eventos de La Niña fraco que sob forte a intenso.
SUL DO BRASIL E ARGENTINA SÃO AS ÁREAS DE MAIOR RISCO NA AGRICULTURA
Confirmando-se uma segunda e verão seguidos com La Niña, de acordo com a análise da MetSul, o maior risco por deficiência hídrica na próxima safra se dará no Sul do Brasil e na Argentina e desde já antecipamos um altíssimo risco de perda de produtividade e quebras, especialmente na Argentina.
A safra 2022 da Argentina, em especial, pode sofrer demais durante os próximos meses com falta de chuva e calor muito intenso com temperatura bastante acima da média, agravando ainda mais a perda de umidade do solo e gerando estresse nas plantas. Quebras muito expressivas podem ocorrer nas áreas produtoras de soja e milho do Centro e do Nordeste do país, na zona núcleo.
No Sul do Brasil, em particular no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, inicialmente a cultura de milho é que pode ser a mais atingida e, assim como ocorreu no final de 2020, ter perdas e quebras até significativas em diversas áreas.
A soja plantada cedo no Centro-Oeste do Brasil em princípio, não deve sofrer uma repetição do cenário verificado no ano passado, uma vez que neste ano não apenas a chuva chega mais cedo que em 2020 assim como a primavera deve ser mais chuvosa na região. No Rio Grande do Sul, ao contrário, o período mais crítico para a soja se dá entre a segunda metade de janeiro e o começo de março, período de maior demanda hídrica.
Finalmente, os dados hoje indicam risco de chuva irregular e déficit hídrico, especialmente nas Metades Oeste e Sul gaúchas, mas cenário mais confiável para o verão somente se vai ter no decorrer da primavera.
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