A Comissão de Assuntos Afro-brasileiros da Caid (Coordenação de Ações Afirmativas, Inclusão e Diversidades), vinculada ao Gabinete do Reitor da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), deu continuidade às ações iniciadas no dia 20 de junho nas comunidades quilombolas de São Lourenço do Sul, em decorrências dos impactos causados pelas inundações.
Na última quinta-feira, 27, os quilombos Rincão das Almas, Picada e Torrão, localizados no interior do município, foram visitados com o objetivo de conhecer as comunidades e realizar a entrega de doações, incluindo roupas, calçados, cobertores e itens de higiene. A iniciativa seguiu um roteiro de entregas programado pela Comissão, que identificou as necessidades através de diálogos com as lideranças locais, seguido pela separação e distribuição dos donativos.
As visitas foram realizadas pelas representantes da Comissão através de Elina Rodrigues de Oliveira, Técnica em Assuntos Educacionais da Caid; Vânia Rodrigues de Lima, docente da Escola de Química e Alimentos; e Priscila Ferreira, estudante do curso de Letras da FURG-SLS e secretária do Movimento Negro Kizumbi e do Quilombo Maria Lina. Além delas, participaram das visitas Daniel Soares (Mestre Pretto), do Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia (Capa), e Vera Lúcia de Souza, líder do Quilombo Maria Lina.
Priscila afirma que a ação é importante para criar vínculos entre os movimentos sociais e os quilombos com a comunidade acadêmica, pois “ambos têm muito a contribuir um para o outro”. Ferreira também destacou a importância da visibilidade desses grupos na sociedade, especialmente em São Lourenço, onde os quilombos ainda não são tão reconhecidos na história do município.
“Conhecer essas pessoas e lugares é algo muito importante por conta dos saberes, resistências e formas de existir desenvolvidas nessas comunidades. Poder trazer um pouco da história e pautas dessas comunidades é algo extremamente relevante e termos sido recebidas com tanto acolhimento e carinho é algo que mostra que estamos trabalhando no caminho certo para aproximar a academia das comunidades quilombolas lourencianas”, relatou Elina.
Além da entrega das doações, os participantes ouviram histórias compartilhadas pelos quilombos, que refletem as lutas coletivas de cada comunidade e as relações entre diferentes quilombos.
Quilombo Rincão das Almas
Certificado há aproximadamente 23 anos, o Quilombo Rincão das Almas abriga 200 famílias e é conhecido por sua liderança feminina e pela convivência entre membros negros e não-negros. Carmem Ieda, vice-líder do quilombo, mencionou que a comunidade foi indiretamente afetada pelos alagamentos, que prejudicaram o trabalho de muitos membros como diaristas nas lavouras locais.
A comunidade ainda não possui um prédio para a sede da associação comunitária. Conforme informações de Ieda, a prefeitura doou o prédio de uma escola para a comunidade, mas o trâmite legal ainda não foi concluído, impossibilitando a reforma e utilização das instalações. A liberação da documentação para a Sede da Associação é importante, pois proporcionará um espaço central para especialização profissional e atividades comunitárias. Além disso, parte dos recursos destinados à construção de uma praça com áreas de lazer e ginástica foi realocada para a compra de cestas básicas, distribuídas às famílias em dificuldades.
Ieda destacou a contínua promoção de formações dentro da comunidade, incluindo cursos de tecelagem, macramê, tricô, panificação, doces, artesanato e outros. A comunidade tem o compromisso de transmitir conhecimentos e capacitar seus membros.A vice-líder também mencionou o caso de uma integrante da comunidade que, graças à formação recebida dentro do quilombo, hoje atua como professora no Senac, reforçando a importância de uma sede para a associação, que possibilitaria a realização de mais formações, que frequentemente são limitadas pela falta de espaço físico adequado.
A história do quilombo está sendo registrada em livros, incluindo desde a culinária quilombola (já publicado) até um livro de memórias e fotos (em processo de publicação), além de um volume que reúne memórias dos membros da comunidade e poesias escritas por Santa Heloisa Soares Rodrigues, mãe de Ieda.
Quilombo da Picada
O Quilombo da Picada foi estabelecido em 2002 e abriga 22 famílias. Leoni Ribeiro Ferreira, tesoureira do quilombo, relatou que a comunidade sofreu perdas significativas de animais devido aos alagamentos recentes, que resultaram em mortes devido ao excesso de chuvas.
Atualmente, a comunidade recebeu um único auxílio através de cestas básicas fornecidas pelo Incra, e em breve receberá cestas adquiridas pela prefeitura através de recursos da Estratégia de Saúde da Família Quilombola.
A sede da Associação Comunitária Picada de Santa Teresa, construída em 2023 em um terreno cedido por uma das famílias quilombolas, foi destruída pelas chuvas recentes. Segundo Leoni, “isso fez com que a família que cedeu o terreno pedisse ele de volta, o que deixou a comunidade sem um lugar para se reunir e realizar atividades juntas”.
Quilombo Torrão
Certificado em 2006, o Quilombo Torrão é composto por 36 famílias e foi fundado em 2000. Lurdes Helena Ferreira Quevedo, representante do quilombo, mencionou que a comunidade perdeu plantações de subsistência e dias de trabalho devido às fortes chuvas.
A comunidade se orgulha de ter tido seu primeiro estudante concluindo o ensino fundamental em 2000. Atualmente, há duas estudantes matriculadas em instituições federais em 2024, o que é um testemunho do espírito de luta e resistência da comunidade.
Assim como outros quilombos, a história do Quilombo Torrão também foi registrada em um livro intitulado "Descobri que Tem Raça Aqui".
Fotos: Larissa Schneid Bueno/Secom.
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