terça-feira, 12 de julho de 2016

Entrevista sobre colonização pomerana em São Lourenço do Sul

Em pesquisa, no Google, sobre colonização pomerana encontramos a entrevista abaixo realizada com o historiador Jairo Scholl Costa. Ele fala sobre a imigração em São Lourenço do Sul para uma revista da Unisinos em 2008. Muito interessante para quem gosta do tema. Leia na íntegra:


“A Colônia de São Lourenço do Sul somente foi um sucesso como colônia agrícola devido à participação dos imigrantes pomeranos, que representaram 89% de todos os imigrantes que foram para lá.” A avaliação é do historiador Jairo Scholl Costa, residente no município de São Lourenço do Sul, Rio Grande do Sul. Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, ele relembra a trajetória desse povo no estado e destaca as características pomeranas ainda existentes município. “O isolamento em que os pomeranos viviam desapareceu, e há uma grande integração com a cidade, já que houve um deslocamento deles para a área urbana”, descreve. Nas comunidades da região, conta, ainda é “praticado o Stiepen, quando homens pintam o rosto de preto, usam roupas de mulheres, vão de uma casa a outra pulando cercas e costumam cutucar vizinhos e amigos com galhos de árvores durante à noite de Páscoa”.

Jairo Scholl é graduado em Direito, pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), e realiza estudos na área de história. Para retratar a saga dos pomeranos, escreveu Origens históricas de São Lourenço do Sul (Porto Alegre: Impressão Corag, 1984), Navegadores da Lagoa dos Patos: a saga náutica de São Lourenço do Sul (São Lourenço do Sul: Editora Hofstatter, 1999) e O pescador de Arenques (Pelotas: Educat, 2007). Atualmente, é assessor de Cultura em São Lourenço do Sul.

IHU On-Line - Entre as características do povo pomerano, destaca-se a personalidade retraída e a desconfiança com estranhos. Esses sentimentos estão relacionados de alguma maneira com o estilo de vida que os imigrantes mantinham na Pomerania?

Jairo Scholl Costa - A história da Pomerânia é uma longa e penosa sucessão de ocupações estrangeiras. O povo pomerano tornou-se arredio ao que lhe era estranho, pois a aproximação de estrangeiros via de regra implicava em lhes tirar algo. O pomerano tornou-se silencioso, era um modo de vida que visava não atrair a ira dos poderosos que dominavam seu país e assim podiam preservar os poucos bens que lhes restavam.

IHU On-Line - Os pomeranos chegaram ao Brasil 30 anos depois dos outros imigrantes alemães. Como ocorreu o processo de sociabilização entre eles?

Jairo Scholl Costa - Os pomeramos tiveram sua interação facilitada com outras etnias germânicas, devido em grande parte à religião luterana, pois a vida religiosa  envolvia a vida comunitária, e isto proporcionou uma melhor integração dos pomeranos com outros alemães.

IHU On-Line - O que diferencia os pomeranos dos outros alemães no que se refere à religião e a estrutura eclesiástica? Como eles conciliam a religião luterana com os credos e hábitos pagãos?

Jairo Scholl Costa - Os pomeranos em sua maioria são luteranos. E, devido a sua natureza, são conservadores, muito apegados à tradição, e isto se manifestou dentro do próprio luteranismo, quando o rei Frederico Guilherme III  desejou "unir" a Igreja Reformada e a Igreja Luterana. Os pomeranos reagiram fortemente no sentido de manterem “os ensinamentos puros” de Martinho Lutero em contraposição à “nova agenda de Ofícios Religiosos”. Um outro aspecto dos pomeranos é que muitos deles conservam ainda credos e hábitos pagãos, que  são herança dos wendes.  Para esse povo que é a raiz do pomerano, a natureza tinha  uma vida secreta,  e isto povoou há séculos o imaginário pomerano e daí advêm muitas superstições, havendo sempre uma fórmula mágica não escrita, por exemplo, para a cura de um doente ou para obter sucesso nas colheitas. Aparentemente, o pomerano não vê nisto uma contradição com o luteranismo, pois estas manifestações pré-cristãs dos wendes acabaram sendo cristianizadas, e as infelicidades debitadas ao diabo.

IHU On-Line - Como caracteriza a cozinha dos pomeranos? O que eles revelam sobre seu estilo e a valorização da sua cultura?

Jairo Scholl Costa - A culinária pomerana durante séculos foi calcada no peixes, especialmente os arenques, o que tornou os pomeranos um povo  notável na arte da pesca. Isto somente mudou quando foi introduzida a batata inglesa trazida da América. Neste momento da história, os pomeranos se dedicaram a plantá-la e se tornaram experts em seu cultivo, o que gerou mudanças na sua cultura, pois eles passaram a fazer da batata um componente indispensável na sua dieta, criando novos pratos que se conciliavam com os laticínios e derivados de suínos por ele produzido. Os pomeranos se identificam como um povo de pescadores e lavradores bem sucedidos, e isto é uma marca de sua cultura.

IHU On-Line - Qual é a contribuição dos imigrantes pomeranos para a consolidação da colônia de São Lourenço, no Rio Grande do Sul?

Jairo Scholl Costa - A Colônia de São Lourenço somente foi um sucesso como colônia agrícola devido à participação dos imigrantes pomeranos, que representaram 89% de todos os imigrantes que foram para lá. Homens e mulheres afeitos aos trabalhos rudes e difíceis, os pomeranos superaram grandes adversidades e transformaram a Colônia de São Lourenço na maior produtora de batata inglesa do Brasil num determinado momento histórico, fator que foi decisivo para consolidação da colônia e consequentemente para a criação do município de São Lourenço do Sul.

IHU On-Line - Como vivem os descendentes de pomeranos na Colônia de São Lourenço, atualmente? Quais as principais características dessa comunidade?

Jairo Scholl Costa - Os descendentes de pomeranos da Colônia de São Lourenço ainda vivem da agricultura, não sendo mais a batata inglesa seu principal produto, mas o tabaco, soja e laticínios. O isolamento em que viviam desapareceu, e há uma grande integração com a cidade, já que houve um deslocamento de pomeranos para a área urbana. Das características que ainda permanecem na comunidade, destaco o espírito de solidariedade entre os membros, as atividades sociais ou religiosas, o respeito pelas tradições e trabalho dos antepassados.

IHU On-Line - Que traços da cidade ainda são marcados pelas características pomeranas?

Jairo Scholl Costa – A presença maciça dos pomeranos na massa imigratória que formou a Colônia de São Lourenço influenciou fortemente as características do que viria a se tornar o município de São Lourenço, cujos traços permanecem ainda hoje na arquitetura das casas, que podem ser encontradas nas  paredes pintadas de branco  e aberturas de azul, e muitas delas com alpendres num estilo comum a Prússia (a Pomerania era uma província da Prússia ao tempo da imigração para o Brasil), jardins na frente das moradas, cemitérios conservados com esmero e seus renques de ciprestes. O dialeto pomerano continua sendo falado por muitos moradores tanto do interior como da cidade, sendo que em alguns estabelecimentos ainda se contratam funcionários que sabem falar alemão e dialeto pomerano.

IHU On-Line - Os pomeranos são muito apegados aos valores tradicionais. O que chama mais atenção em seus hábitos e costumes? 

Jairo Scholl Costa – Destaco nos seus hábitos e costumes aqueles que se relacionam ao casamento e as festas religiosas como a Páscoa. Nas comunidades, ainda é praticado o Stiepen, quando homens pintam o rosto de preto, usam roupas de mulheres, vão de uma casa a outra pulando cercas e costumam cutucar vizinhos e amigos com galhos de árvores durante a noite de Páscoa. Também na madrugada do domingo de Páscoa resiste o costume de recolherem água nos córregos próximos, pois acreditam que esta água é adocicada e tem poderes medicinais. O casamento ainda tem componentes da tradição wende-pomerana e continua o hábito de se recolher dinheiro para os noivos iniciarem a vida, que é uma variação do Köksschengeld ou “dinheiro das cozinheiras”.

IHU On-Line - Como o senhor define a visão de mundo dos pomeranos? O que eles pensam sobre a vida, a morte, o trabalho, a família?

Jairo Scholl Costa - O pomerano é um povo sobrevivente. Ele passou por duríssimas provações, as quais muitos povos teriam sucumbido e desaparecido da memória humana. Os pomeranos resistiram e isto decorre da sua capacidade de adaptação às adversidades e na força que vem da família e da comunidade. Sua visão de mundo é um desafio contínuo à sua existência. A vida é algo a ser vencido, e para tanto precisa trabalhar. Eles sabem que as coisas não virão por milagre e acreditam que, se trabalharem duro e honestamente, isto agradará a Deus. A morte é aceita com naturalidade, com um certo estoicismo de quem entende que este é o derradeiro  caminho reservado a todos seres vivos. E a família é o seu grande valor, sua maior riqueza, porque é com ela que o pomerano consegue suas maiores vitórias e é no seu seio também que nascem suas maiores alegrias. Nesse sentido, os pomeranos a entendem como sendo a base de sua comunidade.

IHU On-Line - As poucas comunidades pomeranas existentes no Brasil estão localizadas em três estados: Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Espírito Santo. Os pomeranos correm os riscos de ter sua tradição esquecida?

Jairo Scholl Costa - Este risco já foi maior, mas, graças a uma conscientização privada e pública de que a cultura pomerana é parte da própria cultura brasileira, começa a se esboçar programas na área educacional, cultural e turística de modo a preservar a tradição pomerana.  A etnia pomerana é singular e existe em poucos lugares do Brasil, especialmente o dialeto pomerano. Obviamente, muitas tradições e costumes foram perdidos por um processo de aculturação, mas é possível haver o resgate dessa cultura, se esses programas continuarem a se desenvolver.

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