quinta-feira, 10 de março de 2016

Diário Popular lembra enxurrada de 10 de março de 2011

As marcas permanecem. Nas paredes. Expressas em lágrimas. Em memórias. Até hoje, exatos cinco anos depois, as lembranças vertem. E não raro, a cada chuva mais intensa, vários olhares fixos voltam-se ao arroio São Lourenço, como que a querer conter as águas. A enxurrada que caiu naquela quinta-feira - 10 de março de 2011 - revelou fúria e deixou o município em estado de calamidade pública: mortes, angústia e devastação. Um cenário que mantém os sons e o cinza de um trauma coletivo. Uma tragédia e um aprendizado - doloroso - que coloca São Lourenço do Sul como único representante gaúcho no Conselho Nacional de Proteção e Defesa Civil.

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E o episódio ainda suscita estudos. Profissionais do Centro de Engenharias da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) já apresentaram a possibilidade de duas medidas para contenção de cheias: um canal extravasor e uma bacia de retenção. São hipóteses, em fase de avaliação, que se somam ao trabalho do Centro de Estudos e Pesquisas sobre Desastres da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que ressaltou: a enxurrada brusca que castigou o solo lourenciano foi um evento extremo e uma exceção - explica o professor, doutor em Engenharia Civil, Luiz Carlos Pinto da Silva Filho.

Em algumas áreas da zona rural, como Boa Vista e Bom Jesus, as pancadas beiraram os 600 milímetros. O estrago chegou à cidade e espalhou destruição. Crateras abertas no meio da rua, muros derrubados, calçadas destruídas. Pontes comprometidas, inclusive na BR-116. Figueiras centenárias com as raízes expostas, casas com a estrutura abalada, um chalé arrancado do chão. Sete mortes, 20 mil moradores atingidos e aulas suspensas. Um retrato de caos que, hoje, demonstra a velocidade com que o município se reergueu, impulsionado - mais uma vez - pelo turismo. Só nesta temporada, em torno de 150 mil visitantes devem passar por São Lourenço do Sul. Um dos cartões-postais da Zona Sul do Estado.

Um novo lar a caminho
Não existem resquícios do chalé verde que se tornara uma das sínteses da violência das águas. A família fez o que planejava em abril de 2011, quando conversou com o DP: terminou de desmanchar a residência e vendeu por uma bagatela. O terreno amplo, onde existiam três moradias, agora possui piscina e canil. Mas os planos, adianta o aposentado Romeu Amaral Machado, 84, são de se mudarem em breve para a região da Lomba; em área mais alta, onde um novo lar é construído para abrigá-los. Nada que cause grande entusiasmo: “Sabe quando a gente perde o ânimo? É como tenho me sentido”, resume o canguçuense, viúvo desde agosto de 2012. Quase três anos e sete meses de saudade da companheira Ivone.

No aconchego da família, o recomeço
As lágrimas brotam, mas são de alívio. Vera Regina Soares Nunes, 51, conversa com o Diário Popular em novo endereço - na rua Riachuelo, perto da praia da Barrinha - e divide-se entre choro e riso. Há muito o que comemorar. A casa, agora, é espaçosa, tem quatro cômodos e está reequipada. Em 2011, foi justamente o fato de a residência possuir apenas um ambiente que levou ela e o marido, o pescador Jorge Luís Specht, 50, a morarem em imóvel alugado, às margens do arroio São Lourenço. 

“Acordamos no meio da madrugada com o telefonema da minha sobrinha avisando que era pra gente sair de casa”, relembra. As palavras “a água vai invadir” ainda ecoam. Foi tudo muito rápido. Por volta das 5h, os dois estavam sobre a laje. E, por sorte, juntos. O pescador estava há menos de um dia em terra firme, para reencontrar a família e entrar no ritmo de Carnaval. “Ficamos a zero”, resume. Nem o rancho, feito na véspera, nem o dinheiro enviado pela filha Simone para o pagamento do aluguel se salvaram. Não havia tempo para avaliações.

O pavor era geral. E os pedidos de resgate - de helicóptero e de embarcação - eram muitos. Foi o que aconteceu também com eles. Por volta das 8h30min, foram levados de barco pela Defesa Civil. “Entrei em estado de choque. Minhas pernas travaram. Não conseguia descer do barco. Tive que ser levada para a Santa Casa”. Hoje, quando mira em volta e encontra o olhar de familiares - em especial o da mãe Maria Leda, 75 - só lembra de agradecer. Pelas coisas mais simples.

Reorganização em meio a projetos abreviados
A mobília é toda nova, entre doações e aquisições. A pintura da residência, na rua Humaitá, também era nova; antes do março devastador. De lá para cá, a família Becker ainda não teve recursos para cobrir as marcas da enchente que os fez deixar tudo para trás, com água pela cintura. “Só ficou uma cadeira”. Os projetos de ampliar a casa e transformá-la em sobrado também foram interrompidos. Em fevereiro de 2012, Vânia, 68, foi surpreendida com a notícia da morte do marido Aroldo, que saiu para mais uma das tantas pescarias e acabou vítima de problemas cardíacos.

E no balanço das tantas mudanças nesses últimos cinco anos, na despedida, Vânia menciona a cadelinha Kika, nascida poucos dias depois dos estragos. Um dos motivos para alegria.

Novo teto, novo ânimo
Em poucos dias, a casa no Núcleo Habitacional Colina do Sol, no bairro Lomba, contará com cerca e sombra. A mão de obra é do próprio morador, Romário Amaral, 60, beneficiário de uma das construções erguidas com verbas do Ministério da Integração Nacional e da prefeitura. E o tratorista, claro, envolve-se no serviço com gosto. Onde vivia, no Passo dos Baios, não havia água encanada nem energia elétrica. “Aqui tô bem melhor. Lá, a luz era de lampião e a água era da bica”, conta e abre largo sorriso.

A fisionomia só se fecha quando as memórias retornam às cenas do 10 de março: “Foi uma barbaridade de água, que derrubou ponte, matou cavalo e estragou casas. Uma coisa muito feia”, resume. E, sob um teto digno, envolve-se em redesenhar os dias. Com cores vivas.
Foto: Paulo Rossi

Susto também em outubro de 2015
Quem passa pela orla, depara-se com operários encarregados na instalação de barreiras de concreto para demarcação da ciclofaixa. É uma das etapas das obras de recuperação da infraestrutura do município. Detalhe: o trabalho não tem nenhuma relação com a enxurrada de 2011. Os prejuízos são resultados da cheia da Lagoa dos Patos, depois da combinação entre os 358 milímetros que caíram sobre São Lourenço do Sul em outubro do ano passado - ao contrário da média histórica para o mês ser de 130 milímetros - e o vento Sul que a fez represar e deixou 29 pessoas desabrigadas.

A verba de R$ 2,1 milhões, liberada pelo governo federal, ainda será aplicada na construção de uma ponte na localidade de Costa Alegre (5º distrito) e na contenção das margens e do passeio do rio São Lourenço e do arroio Carahá; além da recuperação do calçadão das praias; fase já concluída.

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